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Sobre a ASERG
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por
Renata de Freitas Martins Jurídico Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos
Introdução A
utilização de peles de animais pelos humanos, especialmente em suas
vestimentas, data de muito tempo, iniciando-se desde a existência dos
primeiros seres no planeta que, ao caçarem determinados animais para sua
alimentação, perceberam que podiam também aproveitar suas peles para
proteger-se do frio. De
se ressaltar que se tratava de caça para subsistência e conseqüente
aproveitamento da pele, sendo esta prática a única possível e existente
na época para a sobrevivência humana. Com
a chamada evolução da sociedade e com o desenvolvimento industrial, a caça
de animais para utilização de suas peles continuou, porém com uma fatal
agravante – passa a ser realizada cada vez mais em larga escala e com métodos
absurdamente cruéis, sendo praticada especialmente para a satisfação de
um mercado de vaidades burguesas e como marca de status social. Assim, este binômio, além de indubitavelmente ser de extrema crueldade aos animais que são caçados ou que são criados exclusivamente para abate e extração de suas peles, conforme exporemos detalhadamente a seguir, ainda foi e tem sido um dos grandes responsáveis pela extinção de espécies, como, por exemplo, já ocorreu no caso das chinchilas de vida livre.
Principais
espécies caçadas e/ou criadas para abate extração de peles
Algumas
espécies de animais comumente utilizadas pela indústria peleteira no
mundo inteiro, bem como o respectivo número de animais mortos necessários
para a produção de uma casaco de tamanho mediano:
Cães
e gatos também? A
Humane Society (dos Estados Unidos – HSUS e a Internacional – HIS), em
conjunto com o jornalista alemão independente Manfred Karremann, após
investigação sigilosa na China que perdurou 18 meses, no ano de 1998
trouxe-nos informações sobre a utilização de peles de cães e gatos
para confecção de diversas roupas, acessórios e até mesmo brinquedos,
estimando-se que mais de 2 milhões de cães e gatos são mortos
anualmente para este fim. Nestas
investigações apurou-se que a indústria de peles de cães e gatos
trata-se de prática tão cruel quanto a com os tantos outros animais
utilizados pela indústria peleteira, havendo farta documentação a
respeito, como vídeos e fotos, nos quais pode-se constatar métodos de
captura, abrigo, transporte e abate, com cenas extremamente chocantes,
como mortes agonizantes por
estrangulamento, afogamento, eletrocussão ou sangramento até a morte,
sendo que muitos animais são esfolados quando ainda estão conscientes,
ou seja, sentido toda a cruel dor. Os
principais importadores de peles de cães e gatos provenientes da China são Alemanha, onde grandes leilões dessas peles são realizados,
Itália e França, e estes, por sua vez, distribuem os produtos com estas
peles pelo mundo inteiro. De
se ressaltar ainda que, em uma das investigações efetuadas, flagrou-se
enorme quantidade de peles de cães e gatos sendo tingidas de preto ou
marrom, tornando-as fáceis de confundir com peles de raposa, por exemplo,
e apenas sendo possível a comprovação contrário por meio de caros
testes de DNA. “Criadouros”
de animais para abate e extração de pele Segundo
a International Fur Trade
Federation, no documento “Facts on Fur”, datado do ano de 2000, 85%
(oitenta e cinco por cento) das peles utilizadas pela indústria peleteira são
provenientes de animais criados em cativeiros, nas fazendas de peles. Ainda
neste mesmo documento temos que 64% (sessenta e quatro por cento) das
fazendas de peles estão localizadas no norte da Europa, 11% (onze por
cento) na América do Norte e o restante espalhadas de forma esparsa
pelo resto do mundo, em países como a Argentina, Rússia e também o
Brasil. Os
animais criados em cativeiro para a extração da pele vivem em gaiolas
minúsculas por toda sua existência, e sofrem constantemente com medo,
estresse, doenças, parasitas e outros problemas físicos e/ou psicológicos.
Alguns animais como as martas, por exemplo, que são solitários e estão
acostumados a ocupar grandes territórios quando são de vida livre,
chegam a cometer auto-mutilação ao verem-se em cativeiro [1].
Há também casos de canibalismo entre os animais quando mantidos em
gaiolas lotadas. Não
há leis, normas ou qualquer tipo de regulamentos sobre métodos de abate
para animais utilizados pela indústria peleteira. Assim, como o que se
visa com a atividade é o lucro, com os menores custos possíveis e melhor
aproveitamento das peles que, quanto mais intactas estiverem, mais
valiosas serão, temos visto métodos absurdamente cruéis para a matança
desses animais: asfixia, eletrochoque, envenenamento com estricnina, câmara
de descompressão e quebra de pescoço são os mais utilizados. Algumas
vezes estes métodos não propiciam a morte imediata do animal, que tem
seu esfolamento iniciado ainda com vida. Também
de se ressaltar que a indústria peleteira não traz apenas a crueldade
dos animais, mas também grande destruição ambiental. A
energia elétrica utilizada para a produção de um casaco de pele natural
corresponde de vinte a sessenta vezes mais do que se gasta na produção
de um casaco de pele sintética [2],
por exemplo. Há
ainda o grande risco de contaminação de águas devido à grande
quantidade de produtos químicos utilizados para o curtume das peles. Finalmente,
merece atenção o descarte das carcaças de animais.
Em pesquisa de campo em uma cabanha no interior do Estado de São
Paulo constatamos o descarte de carcaças sendo feito em lixo comum, porém,
tratam-se de resíduos biológicos, e, portanto, é necessário o
cumprimento das normas de gerenciamento adequado, as quais são
especificadas em resoluções da ANVISA e CONAMA, bem como normas da ABNT. Diante
de tanta crueldade e danos ambientais, as fazendas de peles já foram
proibidas em alguns países, como na Áustria e no Reino Unido. Na Holanda
estão sendo gradativamente proibidas desde 1998 [3].
Nos Estados Unidos, no ano de 2003, as fazendas de chinchilas já haviam
decaído em 5% (cinco por cento) em relação ao ano anterior [4]. Aqui
no Brasil, entretanto, devido à demanda internacional pelas peles de
chinchilas, tem havido suporte para o crescimento da indústria peleteira
no país, que parece estar retrocedendo se comparado às tendências
mundiais. Segundo
dados fornecidos pela ACHILA [5],
os negócios com pele movimentam U$ 12,6 milhões por ano. No Brasil
exporta-se cerca de U$ 750 mil por ano, especialmente para o Canadá,
Estados Unidos, Japão e Itália, porém, há enorme demanda para que este
mercado cresça aqui no país, havendo-se a estimativa de que o Brasil
poderá chegar a U$ 1,4 milhão
por ano, correspondendo a mais de 11%
de toda a produção mundial. Atualmente há entre 600 e 650 criadores de chinchilas para abastecimento da indústria peleteira mundial em todo o país, número este que é fortemente incentivado ao crescimento para que se atinja as estimativas previamente citadas suprindo-se assim a já existente demanda por peles brasileiras, que, logicamente vem ascendendo, tendo-se em vista a queda de produção em outros países, conforme já citamos anteriormente. Métodos
de abate e extração de pele Em
nossa pesquisa de campo já citada anteriormente, também acompanhamos o
processo de abate e esfola de um animal (chinchila) criado em cativeiro
com o objetivo de abastecimento da indústria de peles. A
visão dos instrumentos a serem utilizados neste processo já é algo
assustador e que nos leva à certeza de que se trata de atividade cruel e
absolutamente desnecessária: são tábuas de abate, facas, tesouras,
canivetes, alfinetes dentre outros. Após
a preparação de todos os instrumentos, eis o momento do abate, sendo
realizado, normalmente, por três métodos mais corriqueiros: choque,
envenenamento ou quebra de pescoço, sendo este o mais utilizado por se
tratar de método mais barato, prático e rápido [6],
e o qual acompanhamos. As
gaiolas onde os animais são mantidos por toda sua vida são todas
etiquetadas, indicando quais animais deverão ser utilizados para procriação
e quais deverão ser destinados ao abate, inclusive com as datas
especificadas. O
sinal de terror nos olhos dos animais que vão para o abate é notório.
Muitos tremem. Ficam impacientes. Esse terror é coletivo, pois todos os
animais assistem ao cruel espetáculo de matanças, fazendo com que a
crueldade de toda uma vida em cativeiro estenda-se também a este momento. Escolhido
o animal a ser abatido, seu pescoço é torcido e então este é esticado
na tábua de abate com a barriga para cima e preso pelas patas traseiras e
pelos dentes. Notamos alguns animais com espasmos neste momento, o que
pode demonstrar que ainda tinham sensações. Iniciando-se
o processo de esfola, o qual consiste na retirada da pele do animal, é
feito um corte em sentido vertical na altura anterior da boca do animal,
usando-se uma gilete. Por este corte é introduzida uma guia (pedaço de
haste de guarda-chuvas), a qual é conduzida com a ajuda dos dedos até a
genitália do animal, por onde sai uma de suas arestas. Introduzida
a guia, mais uma vez com a utilização da gilete (também pode ser
utilizada uma tesoura com ponta fina e afiada ou bisturi) é feito um
corte na direção desta guia até cerca de dois dedos acima da genitália
do animal. Feito
este corte, a guia é introduzida da região do umbigo do animal até cada
uma de suas patas traseiras, efetuando-se mais uma vez o corte com a
gilete ou instrumentos afins. Após,
inicia-se a separação do couro do animal e de sua carcaça, o que é
feito com as pontas dos dedos, iniciando-se pelo pescoço e chegando até
o nariz. Este mesmo processo é repetido até as patas traseiras do
animal. Para
soltar totalmente o couro da carcaça do animal, é feito o corte das
patas dianteiras e em seguidas das traseiras com a utilização de um a
tesoura. Em seguida, da mesma maneira, corta-se rabo, orelhas e nariz. Nesta
fase o animal é colocado de barriga para baixo, tendo sua pele segurada
por uma mão e com a outra, o nariz já descarnado, até que apareçam os
olhos, que são cobertos por uma membrana, a qual é cortada com uma
gilete menos afiada para se evitar sangramento (e caso este ocorra, é
estancado com pó de mármore). Feitos estes cortes, continua-se puxando a
pele do animal, deixando toda sua cabeça descarnada. Novamente
o animal é colocado de barriga para cima e se procede a retirada do que
ainda restou de carcaça com a
palma da mão, para que o matambre [7]
saia junto. Com
um canivete é feita a limpeza da pele, retirando-se gordura com auxílio
de pó de mármore, o qual possibilita a final retirada dessa gordura com
as próprias mãos. Com uma tesoura retira-se bigodes e alguns resíduos
de carne que ainda existirem. Passa-se papel absorvente para que se tire
qualquer outro resíduo ainda existente. A
pele é esticada em uma tábua de madeira e presa com alfinetes em suas
extremidades, sendo colocado um TAG [8]
nos buracos da orelha e fixado com arrebite. Após
a pele é colocado em um armário todo de tela, onde ficara entre vinte e
quatro e quarenta e oito horas para secar e então ser colocada em um freezer
até sua exportação, onde é realizado o curtume.
As
chinchilas Dedicamos
tópico especial às chinchilas no presente trabalho, tendo-se em vista
que nossos estudos sobre a utilização de animais para a extração de
peles aprofundaram-se por conta deste simpático animal, após uma grande
apreensão de chins realizada no bairro da Liberdade, São Paulo, onde
cerca de 500 animais eram mantidos em uma kitnet e teriam destinação
ao ilegal comércio de peles. As
chinchilas são originárias da região dos Andes, onde, antes da colonização
espanhola, eram apreciadas por sua carne, que servia como alimento, bem
como por sua pele, utilizada como abrigo. A
denominação chinchila, aliás, provavelmente originou-se por conta dos
índios Chinchas, os quais habitavam a região à época. Já em relação
à utilização das peles pela nobreza (e hoje em dia apenas por classes
com alto poder aquisitivo, devido ao seu alto custo), com certeza
originou-se com a invasão dos Incas ao território dos índios Chinchas,
impedindo-os de utilizarem as peles de chins, as quais passam então a ser
produto acessível apenas à realeza inca, indicando superioridade. A
partir do século XVI que a Europa passa a conhecer as peles de
chinchilas, e então passam a explorar seu potencial econômico,
ampliando-se de forma tremenda a demanda por estas peles. Com
este aumento de demanda têm início intermináveis caçadas aos animais
na natureza, praticamente levando as chinchilas de vida livre à extinção,
o que fez com que alguns países como Argentina, Bolívia, Chile e Peru a
proibirem sua caça no ano de 1910. Em
1989 a região da Cordilheira dos Andes foi declarada no Chile como
“Reserva Nacional das Chinchillas”, sendo o único local hoje em dia
onde se pode encontrar colônias de chinchilas lanígeras selvagens. Finalmente, sobre a criação destes animais em cativeiro com a finalidade de abastecimento da indústria peleteira, bem como da recém descoberta da utilização do animal como pet, a primeira notícia de sucesso que se tem é do norte americano Mathias Chapman, no ano de 1922. Captura
de animais na natureza Como
citamos anteriormente, cerca de 15% dos animais utilizados para extração
de pele são caçados diretamente na natureza, sendo que a principal forma
utilizada para tal mister é a armadilha de mandíbulas, sendo acionada
quando o animal pisa no sistema de disparo, fazendo com que as mandíbulas
de metal cerrem e prendam o animal pela pata. Tão
reconhecida a crueldade tremenda deste método de armadilhagem, que mais
de 90 (noventa) Estados pelo mundo já proibiram sua utilização.
Prática
legal? Nos
termos da portaria IBAMA 93/98, as chinchilas são consideradas animais
domésticos, e, portanto, eximem-se de qualquer responsabilidade sobre
fiscalização e regulamentação específica sobre estes animais. Porém,
independentemente da interferência ou não de nosso órgão ambiental em
relação às chinchilas e mais especificamente sobre o comércio de sua
pele, envolvendo aqui abate e esfola, não podemos nos olvidar que o
tratamento dado a estes animais deve seguir rigorosamente aos termos de
toda a legislação ambiental pátria já existente. Assim, se pensarmos em confinamento e métodos de abate que, segundo os próprios criadores de chinchilas para abate, o método de abate mais utilizado tem sido a quebra de pescoço, pela praticidade de rapidez (sic), parece-nos notório que há descumprimento flagrante à lei de crimes ambientais, ao decreto de 34 e à nossa Constituição Federal, tratando-se, portanto, de prática inconstitucional e ilegal e devendo ser banida dentro do Brasil.
Considerações Finais
No presente artigo não esgotamos todo o assunto, tendo sido enfatizada especialmente a criação de animais exclusivamente para o abastecimento do comércio de peles, em especial as chinchilas.
Portanto, ainda devemos nos lembrar de alguns animais silvestres em nosso país que são utilizados para a extração da pele, como por exemplo jacarés e cobras (neste caso a competência seria do IBAMA para a fiscalização e disciplina da matéria). Também não há como esquecer de animais dois quais são extraídas peles para produção de couro, por exemplo, porém que não foram abordados especificamente neste momento, por se tratar de assunto também amplo, o que deixaria este trabalho muito prolixo.
Conclusão
Por todo o exposto, é notório que, além da utilização de peles tratar-se de algo antiquado e anti-ecológico, trata-se de prática que deve ser banida em nosso país, pois fere claramente toda nossa legislação ambiental pátria, conforme expusemos.
Ademais, difícil de se compreender qual a emoção que há ao se carregar a morte no próprio corpo. Parece-me algo absolutamente mórbido e doentio. Aliás, tão patológico que alimenta toda uma indústria de sangue, sofrimento e mortes cruéis. Eis mais uma prática para a satisfação das patologias antropocêntricas... Lamentável!
[1]
Estudos de zoologistas da Universidade de Oxford sobre martas em
cativeiro comprovam que estes animais, mesmo após diversas gerações
de criação exclusivamente em cativeiro, não se domesticam, sofrendo
imensamente, especialmente quando não possuem a possibilidade de
nadar. [2]
Fonte: http://www.peta.org/mc/factsheet_display.asp?ID=56 [3] Eurogroup fpr Animal Welfare, “Comission Report Reveals Serious Welfare Problems in Fur Farming”, 20.12.2001. [4] U.S. Department of Agriculture, National Agricultural
Statistics Service, “Mink”, 15.07.2004. [5]
Associação Brasileira de Criadores de Chinchila Lanígera [6] Segundo depoimento de “empresários” do ramo. [7]
Pele fina que fica entre o couro e a carcaça, e caso não seja
retirado neste momento, dificulta a posterior limpeza da pele. [8] Etiqueta de identificação da pele, sendo uma tira de alumínio de 12 cm por 1 cm e com um furo em cada extremidade, onde é gravado a sigla do criador e o número da pele. Essa gravação é feita por meio de punção alfa-numérico. Há também TAGs com código de barras. | ||||||||||||||||||||||||||||||
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