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Sentença: devolução de aves apreendidas
por
Renata de Freitas Martins Jurídico Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos
Como no artigo da ColunaJur deste mês citamos o fato de Juiz entregar aves provenientes do tráfico de volta para comerciante, achamos de suma importância escrever um "Artigo Bônus", contando alguns fatos e tratando brevemente sobre a legislação protetiva dos animais em nosso país, especialmente regulamentações do IBAMA sobre aves, para que esclareçamos melhor nossas afirmações anteriores.
Fatos
Em algum lugar do Estado de São Paulo, a Polícia Militar Ambiental, após receber denúncia de que aves estariam sendo irregularmente comercializadas, faz vistoria e averigua que diversas aves estavam irregularmente em local comercial, sem documentação e sem anilha (anel de identificação de cada ave).
Imediatamente procede a apreensão dos animais, encaminhando-os para um depositário, o Rancho.
Encerrada a fase de inquérito, este foi naturalmente enviado ao fórum, e um processo crime foi iniciado.
Nesta fase réu juntou alguns documentos de uma associação ornitológica qualquer a que era filiado, e com uma relação de aves totalmente diferente das que foram apreendidas, o que levou o Ministério Público e o Juiz de Direito a erro.
Sentença
Foi-se decidido pelo arquivamento do processo e devolução das aves apreendidas ao sr. comerciante, expedindo-se alvará para tal mister.
Ainda tentou-se evitar que tamanho erro material fosse cometido, porém, deparamo-nos com o famoso "fi-lo porque qui-lo".
Mas e o Direito?
Não há dúvidas que a decisão do MM. Juiz de Direito em devolver as aves em questão para o “dono” tratou-se de ato totalmente inconstitucional e ilegal. Vejamos.
Por reconhecida importância dos animais para o tão galgado ambiente sadio e equilibrado que a legislação brasileira vem cuidadosamente tratando da tutela jurídica dos animais.
No ano de 1934 foi editado o Decreto n.º 24.645, ainda em vigor, que estabelece medidas de proteção aos animais.
A Constituição Federal brasileira, lei magna de nosso país, também alberga a tutela animal em seu artigo 225, tratando do meio ambiente, e mais especificamente em seu parágrafo 1º, inciso VII, diz que é incumbência do Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas na forma de lei as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, que provoquem a extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade. E
finalmente, em 1998, foi promulgada a Lei Federal n.º 9.605,
Lei dos Crimes Ambientais, estabelecendo sanções penais e
administrativas contra as violações ao meio ambiente, dando-se especial
destaque ao artigo 32, caput
da citada lei, que prevê pena de detenção de três meses a um ano e
multa para aquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar
animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
Esta a legislação mais genérica sobre o assunto, e que infelizmente não foi levada em consideração em relação às aves apreendidas pela Polícia Militar Ambiental e encaminhadas para o Rancho. Não
obstante a não observação da legislação supra-citada, devemos ainda
citar regulamentações específicas do IBAMA – Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, entidade
autárquica cujas finalidades são coordenar, executar e fazer executar a
política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e
uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais
renováveis. É o que exporemos a seguir.
Desde
a “descoberta” do Brasil, há um hábito aqui no país de se criar pássaros
canoros silvestres em cativeiro como animais de estimação. Este hábito,
por muitos anos feito sem controle, causou enorme prejuízo à fauna
brasileira, já que a idéia da população é de que e diversidade de
nossa fauna não terá fim.
Infelizmente,
esta mentalidade gerou a situação atual. Quase não vemos pássaros
silvestres em nosso ambiente, principalmente se fizermos um cotejo do que
nosso país já tivera outrora.
Para
minimizar a situação, em 1996, o IBAMA publicou a Portaria
n.º 57, criando a figura do criador amadorista de passeriformes. A
partir daquele ano, todas as pessoas que tinham pássaros silvestres
anilharam suas aves com anilhas [1]
abertas e só poderiam transacionar pássaros nascidos em cativeiro e com
anilhas fechadas, impossibilitando assim a captura de aves da natureza.
O controle dos criadores, a distribuição de anilhas e certificados de transação de passeriformes eram feitos pelas Federações Ornitófilas, às quais os criadores tinham que se associar. Periodicamente as Federações encaminhavam relatórios ao IBAMA para fins de fiscalização.
Em
2001, por meio da Instrução Nornativa n.º 05/01 do IBAMA,
a atividade de criação amadorista de passeriformes passou a ser
controlada diretamente pelo IBAMA.
Atualmente,
está em vigor a Instrução Normativa n.º 06/02, disciplinando as
atividades dos criadores amadoristas de passeriformes da fauna silvestre
brasileira. É considerado criador amadorista a pessoa física que cria e
mantém em cativeiro espécimes de aves da Ordem Passeriformes, sem
compromisso de reprodução ou autorização para comercialização. Ressaltemos
o exposto no artigo 2º, § 1º da citada instrução normativa, que diz
ser necessário o recadastramento de criadores cadastrados apenas em
Federações Ornitófilas diretamente no IBAMA, conforme expusemos
anteriormente.
Finalmente,
como exposto no artigo 5º, I desta mesma instrução normativa, todo
criador amadorista para estar devidamente legalizado perante o IBAMA deverá
manter seu plantel de passeriformes devidamente anilhados com anilhas
invioláveis.
Portanto, pudemos facilmente notar que as aves apreendidas pela Polícia Militar Ambiental não tinham sua procedência legalizada, tendo-se em vista que não estavam anilhadas. Aliás, exatamente este o motivo da fiscalização e apreensão.
Ademais, o simples fato do detentor das aves ser cadastrado em uma Associação Ornitológica, não quer dizer que não haja necessidade de ter suas aves cadastradas no IBAMA. O que dissemos até então, aliás, sem levar em conta a possibilidade das aves estarem sendo comercializadas, conforme denúncia formalizada perante a Polícia Militar Ambiental, quando então haveria a necessidade de registro do local no Ibama como criadouro de animais da fauna silvestre brasileira com fins econômicos,nos termos das Portarias/IBAMA 117/97 (normaliza a comercialização de animais da fauna silvestre provenientes de criadouros com finalidades econômicas) e 188-n/97 (normaliza o funcionamento de criadouros de animais da fauna silvestre brasileira com fins econômicos) e Instrução Normativa/IBAMA 02/01 (determinando a identificação individual das espécimes da fauna silvestre mantidos em cativeiro). Mas se nem CNPJ a “loja” averiguada pela Polícia Militar Ambiental possuía, quem dirá toda a documentação dos animais e registro no IBAMA? Assim, a juntada de uma mera relação de outras aves, diferentes das apreendidas, nos autos da ação criminal serviu apenas a induzir Ministério Público e Magistrado a erro.
Condenados?
Quarenta e seis aves... provavelmente condenadas à morte, pois até nossa intervenção no Tribunal ser julgada, cremos que não tenhamos mais tempo hábil para encontrá-las com vida...
Ah sim... condenados nós todos também... afinal, acabamos de perder a oportunidade de ver mais quarenta e seis vidas livres por aí... fora dezenas de outras que foram sacrificadas no redondo ecossistema por falta destas...
Condenadas mais ainda as futuras gerações, que talvez nem uma vida em liberdade possam ver daqui uns anos... [1]
Anilha: pequeno aro colocado na pata do animal, sendo esta sua
identificação, pois possui um número único, permitindo o controle
do IBAMA.
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